Contos
1. Uma xícara de Chá
Nan-In, um mestre japonês durante a era Meiji (1868-1912), recebeu um professor de universidade
que veio lhe inquirir sobre Zen. Este iniciou um longo discurso intelectual sobre suas dúvidas.
Nan-In, enquanto isso, serviu o chá. Ele encheu completamente a xícara de seu visitante, e
continuou a enchê-la, derramando chá pela borda.
O professor, vendo o excesso se derramando, não pode mais se conter e disse:
“Está muito cheio. Não cabe mais chá!”
“Como esta xícara,” Nan-in disse, “você está cheio de suas próprias opiniões e especulações.
Como posso eu lhe demonstrar o Zen sem você primeiro esvaziar sua xícara?”
2. Uma Parábola
Certa vez, disse o Buddha uma parábola:
Um homem viajando em um campo encontrou um tigre. Ele correu, o tigre em seu encalço.
Aproximando-se de um precipício, tomou as raízes expostas de uma vinha selvagem em suas
mãos e pendurou-se precipitadamente abaixo, na beira do abismo. O tigre o farejava acima.
Tremendo, o homem olhou para baixo e viu, no fundo do precipício, outro tigre a esperá-lo. Apenas
a vinha o sustinha.
Mas ao olhar para a planta, viu dois ratos, um negro e outro branco, roendo aos poucos sua raiz.
Neste momento seus olhos perceberam um belo morango vicejando perto. Segurando a vinha com
uma mão, ele pegou o morango com a outra e o comeu.
“Que delícia!”, ele disse.
3. Nas Mãos do Destino
Um grande guerreiro japonês chamado Nobunaga decidiu atacar o inimigo embora ele tivesse
apenas um décimo do número de homens que seu oponente. Ele sabia que poderia ganhar
mesmo assim, mas seus soldados tinham dúvidas. No caminho para a batalha ele parou em um
templo Shintó e disse aos seus homens:
“Após eu visitar o relicário eu jogarei uma moeda. Se a Cara sair, iremos vencer; se sair a Coroa,
iremos com certeza perder. O Destino nos tem em suas mãos.”
Nobunaga entrou no templo e ofereceu uma prece silenciosa. Então saiu e jogou a moeda. A Cara
apareceu. Seus soldados ficaram tão entusiasmados a lutar que eles ganharam a batalha
facilmente.
Após a batalha, seu segundo em comando disse-lhe orgulhoso:
“Ninguém pode mudar a mão do Destino!”
“Realmente não…” disse Nobunaga mostrando-lhe reservadamente sua moeda, que tinha sido
duplicada, possuindo a Cara impressa nos dois lados.
4. Garotas
Tanzan e Ekido certa vez viajavam juntos por uma estrada lamacenta. Uma pesada chuva ainda
caía, dificultando a caminhada. Chegando a uma curva, eles encontraram uma bela garota vestida
com um quimono de seda e cinta, incapaz de cruzar a intercessão.
“Venha, menina,” disse Tanzan de imediato. Erguendo-a em seus braços, ele a carregou
atravessando o lamaçal.
Ekido não falou nada até aquela noite quando eles atingiram o alojamento do Templo. Então ele
não mais se conteve e disse: “Nós monges não nos aproximamos de mulheres,” ele disse a Tanzan, “especialmente as jovens e
belas. Isto é perigoso. Por que fez aquilo?”
“Eu deixei a garota lá,” disse Tanzan. “Você ainda a está carregando?”
5. Sem trabalho, Sem comida
HYAKUJO, o mestre Zen chinês, costumava trabalhar com seus discípulos mesmo na idade de 80
anos, aparando o jardim, limpando o chão, e podando as árvores. Os discípulos sentiram pena em
ver o velho mestre trabalhando tão duramente, mas eles sabiam que ele não iria escutar seus
apelos para que parasse. Então eles resolveram esconder suas ferramentas.
Naquele dia o mestre não comeu. No dia seguinte também, e no outro.
“Ele deve estar irritado por termos escondido suas ferramentas,” os discípulos acharam. “É melhor
nós as colocarmos de volta no lugar.”
No dia em que eles fizeram isso, o mestre trabalhou e comeu exatamente como antes. À noite ele
os instruiu, simplesmente:
“Sem trabalho, sem comida.”
6. Nada Existe
YAMAOKA TESSHU, quando um jovem estudante Zen, visitou um mestre após outro. Ele então foi
até Dokuon de Shokoku. Desejando mostrar o quanto já sabia, ele disse, vaidoso:
“A mente, Buddha, e os seres sencientes, além de tudo, não existem. A verdadeira natureza dos
fenômenos é vazia. Não há realização, nenhuma delusão, nenhum sábio, nenhuma mediocridade.
Não há o Dar e tampouco nada a receber!”
Dokuon, que estava fumando pacientemente, nada disse. Subitamente ele acertou Yamaoka na
cabeça com seu longo cachimbo de bambu. Isto fez o jovem ficar muito irritado, gritando
xingamentos.
“Se nada existe,” perguntou, calmo, Dokuon, “de onde veio toda esta sua raiva?”
7. A Subjugação de um fantasma – Um Exorcismo Zen…
Uma jovem e bela esposa caiu doente e finalmente chegou às portas da morte.
“Eu te amo tanto,” ela disse ao seu marido, “Eu não quero deixar-te. Prometas que não me
trocarás por nenhuma outra mulher! Se tu não o fizeres, eu retornarei como um fantasma e te
causarei aborrecimentos sem fim!”
Logo após, a esposa morreu. O marido procurou respeitar seu último desejo pelos primeiros três
meses, mas então ele encontrou outra mulher e se apaixonou. Eles tornaram-se noivos e logo se
casariam.
Imediatamente após o noivado um fantasma aparecia todas as noites ao homem, acusando-o por
não ter mantido sua promessa. O fantasma era esperto, também. Ela lhe dizia tudo o que
acontecia e era falado entre ele e sua noiva, mesmo as mais íntimas experiências.
Sempre que dava à sua noiva um presente, o fantasma o descrevia em detalhes. Ela até mesmo
repetia suas conversas, e isso aborrecia tanto o homem que ele não era capaz de dormir. Alguém
o aconselhou a expor seu problema a um mestre Zen que vivia próximo à vila. Enfim, em
desespero, o pobre homem foi buscar sua ajuda.
“Então sua ex-esposa tornou-se um fantasma e sabe tudo o que você faz,” comentou o mestre,
meio divertido. “O que quer que você faça ou diga, o que quer que você dê à sua amada, ela sabe.
Ela deve ser um fantasma muito sábio… Realmente você deveria admirar tal fantasma! A próxima
vez que ela aparecer, barganhe com ela. Diga a ela exatamente o que direi a você…”
Naquela noite o homem encontrou o fantasma e disse o que o mestre havia instruído:
“Você sabe tanto de mim que eu nada posso esconder-lhe! Se você me responder apenas uma
questão, eu lhe prometo desfazer meu noivado e permanecer solteiro.” “Na verdade, eu sei que você foi ver um mestre Zen hoje! Diga-me sua questão.” Disse o
fantasma.
O homem levantou sua mão direita fechada e perguntou:
“Já que sabes tanto, diga-me apenas quantos feijões eu tenho nesta mão…”
Neste exato momento não havia mais nenhum fantasma para responder a questão.
8. Verdadeira Riqueza
Um homem muito rico pediu a Sengai para escrever algo pela continuidade da prosperidade de
sua família, de modo que esta pudesse manter sua fortuna de geração a geração.
Sengai pegou uma longa folha de papel de arroz e escreveu: “Pai morre, filho morre, neto morre.”
O homem rico ficou indignado e ofendido. “Eu lhe pedi para escrever algo pela felicidade de minha
família! Porque fizeste uma brincadeira destas?!?”
“Não pretendi fazer brincadeiras,” explicou Sengai tranqüilamente. “Se antes de sua morte seu filho
morrer, isto iria magoá-lo imensamente. Se seu neto se fosse antes de seu filho, tanto você quanto
ele ficariam arrasados. Mas se sua família, de geração a geração, morrer na ordem que eu escrevi,
isso seria o mais natural curso da Vida. Eu chamo a isso Verdadeira Riqueza.”
9. Homem Santo
Boatos espalharam-se por toda a região acerca do sábio Homem Santo que vivia em uma pequena
casa sobre a montanha. Um homem da vila decidiu fazer a longa e difícil jornada para visitá-lo.
Quando chegou na casa, ele viu um simples velho dentro que o recebeu, abrindo a porta.
“Eu gostaria de ver o sábio Homem Santo,” disse ele ao outro. O velho sorriu e permitiu-o entrar.
Enquanto eles caminhavam ao longo da casa, o homem da vila olhava ansiosamente em torno,
antecipando seu encontro com um homem considerado um verdadeiro Santo. Mas antes que
pudesse dar pela coisa, ele já havia percorrido a extensão da casa e levado para fora. Ele parou e
voltou-se para o velho:
“Mas eu quero ver o Homem Santo!”
“Já o fizeste,” disse o velho. “Todos que tu encontras em tua vida, mesmo se eles pareçam simples
e insignificantes… veja cada um deles como um sábio Homem Santo. Se fizeres deste modo, então
quaisquer que sejam os problemas que trouxestes aqui hoje, serão resolvidos…”
E fechou a porta.
10. Os Portais do Paraíso
Um orgulhoso guerreiro chamado Nobushige foi até Hakuin, e perguntou-lhe: “Se existe um
paraíso e um inferno, onde estão?”
“Quem é você?” perguntou Hakuin.
“Eu sou um samurai!” o guerreiro exclamou.
“Você, um guerreiro!” riu-se Hakuin. “Que espécie de governante teria tal guarda? Sua aparência é
a de um mendigo!”.
Nobushige ficou tão raivoso que começou a desembainhar sua espada, mas Hakuin continuou:
“Então você tem uma espada! Sua arma provavelmente está tão cega que não cortará minha
cabeça…”
O samurai retirou a espada num gesto rápido e avançou pronto para matar, gritando de ódio. Neste
momento Hakuin gritou:
“Acabaram de se abrir os Portais do Inferno!”
Ao ouvir estas palavras, e percebendo a sabedoria do mestre, o samurai embainhou sua espada e
fez-lhe uma profunda reverência.
“Acabaram de se abrir os Portais do Paraíso,” disse suavemente Hakuin.
11. É mesmo?
Uma linda garota da vila ficou grávida. Seus pais, encolerizados, exigiram saber quem era o pai.
Inicialmente resistente a confessar, a ansiosa e embaraçada menina finalmente acusou Hakuin, o
mestre Zen o qual todos da vila reverenciavam profundamente por viver uma vida digna. Quando
os insultados pais confrontaram Hakuin com a acusação de sua filha, ele simplesmente disse:
“É mesmo?”
Quando a criança nasceu, os pais a levaram para Hakuin, o qual agora era visto como um pária
por todos da região. Eles exigiram que ele tomasse conta da criança, uma vez que essa era sua
responsabilidade.
“É mesmo?” Hakuin disse calmamente enquanto aceitava a criança.
Por muitos meses ele cuidou carinhosamente da criança até o dia em que a menina não agüentou
mais sustentar a mentira e confessou que o pai verdadeiro era um jovem da vila que ela estava
tentando proteger.
Os pais imediatamente foram a Hakuin, constrangidos, para ver se ele poderia devolver a guarda
do bebê. Com profusas desculpas eles explicaram o que tinha acontecido.
“É mesmo?” disse Hakuin enquanto devolvia a criança.
12. Certo e Errado
Quando Bankei realizava seus retiro semanais de meditação, discípulos de muitas partes do Japão
vinham participar. Durante um destes Sesshins um discípulo foi pego roubando. O caso foi
reportado a Bankei com a solicitação para que o culpado fosse expulso.
Bankei ignorou o caso.
Mais tarde o discípulo foi surpreendido na mesma falta, e novamente Bankei desdenhou o
acontecimento. Isto aborreceu os outros pupilos, que enviaram uma petição pedindo a dispensa do
ladrão, e declarando que se tal não fosse feito eles todos iriam deixar o retiro.
Quando Bankei leu a petição ele reuniu todos diante de si.
“Vocês são sábios,” ele disse aos discípulos. “Vocês sabem o que é certo e o que é errado. Vocês
podem ir para qualquer outro lugar para estudar e praticar, mas este pobre irmão não percebe nem
mesmo o que significa o certo e o errado. Quem irá ensiná-lo se eu não o fizer? Eu vou mantê-lo
aqui mesmo se o resto de vocês partirem.”
Uma torrente de lágrimas foram derramadas pelo monge que roubara. Todo seu desejo de roubar
tinha se esvaecido.
13. Buddha Cristão
Um dos monges do mestre Gasan visitou a universidade em Tokyo. Quando ele retornou, ele
perguntou ao mestre se ele jamais tinha lido a Bíblia Cristã.
“Não,” Gasan replicou, “Por favor leia algo dela para mim.”
O monge abriu a Bíblia no Sermão da Montanha em São Mateus, e começou a ler. Após a leitura
das palavras de Cristo sobre os lírios no campo, ele parou. Mestre Gasan ficou em silêncio por
muito tempo.
“Sim,” ele finalmente disse, “Quem quer que proferiu estas palavras é um ser iluminado. O que
você leu para mim é a essência de tudo o que eu tenho estado tentando ensinar a vocês aqui.”
14. A Lua Não Pode Ser Roubada
Ryokan, um mestre Zen, vivia a mais simples e frugais das vidas em uma pequena cabana aos pés
de uma montanha. Uma noite um ladrão entrou na cabana apenas para descobrir que nada havia
para ser roubado.
Ryokan retornou e o surpreendeu lá. “Você fez uma longa viagem para me visitar,” ele disse ao gatuno, “e você não deveria retornar de
mãos vazias. Por favor tome minhas roupas como um presente.”
O ladrão ficou perplexo. Rindo de troça, ele tomou as roupas e esgueirou-se para fora.
Ryokan sentou-se nu, olhando a lua.
“Pobre coitado,” ele murmurou. “Gostaria de poder dar-lhe esta bela lua.”
15. Equanimidade
Durante as guerras civis no Japão feudal, um exército invasor poderia facilmente dizimar uma
cidade e tomar controle. Numa vila, todos fugiram apavorados ao saberem que um general famoso
por sua fúria e crueldade estava se aproximando – todos exceto um mestre Zen, que vivia afastado.
Quando chegou à vila, seus batedores disseram que ninguém mais estava lá, além do monge. O
general foi então ao templo, curioso em saber quem era tal homem. Quando ele lá chegou, o
monge não o recebeu com a normal submissão e terror com que ele estava acostumado a ser
tratado por todos; isso levou o general à fúria.
“Seu tolo!!” ele gritou enquanto desembainhava a espada, “não percebe que você está diante de
um homem que pode trucidá-lo num piscar de olhos?!?”
Mas o mestre permaneceu completamente tranqüilo.
“E você percebe,” o mestre replicou calmamente, “que você está diante de um homem que pode
ser trucidado num piscar de olhos?”
16. O ladrão que se tornou um discípulo
Uma noite quando Shichiri Kojun estava recitando sutras um ladrão com uma espada entrou em
seu zendo, exigindo seu dinheiro ou a sua vida.
Shichiri disse-lhe:
“Não me perturbe. Você pode encontrar o dinheiro naquela gaveta.” E retomou sua recitação.
Um pouco depois ele parou de novo e disse ao ladrão:
“Não pegue tudo. Eu preciso de alguma soma para pagar os impostos amanhã.”
O intruso pegou a maior parte do dinheiro e principiou a sair.
“Agradeça à pessoa quando você recebe um presente,” Shichiri acrescentou. O homem lhe
agradeceu, meio confuso, e fugiu.
Poucos dias depois o indivíduo foi preso e confessou, entre outras coisas, a ofensa contra Shichiri.
Quando Shichiri foi chamado como testemunha ele disse:
“Este homem não é ladrão, ao menos tanto quanto me diz respeito. Eu lhe dei o dinheiro e ele
inclusive me agradeceu por isso.”
Após o homem ter cumprido sua pena, ele foi a Shichiri e tornou-se um de seus discípulos.
17. Verdadeira regeneração
Ryokan devotou sua vida ao estudo do Zen. Um dia ele ouviu que seu sobrinho, a despeito das
advertências de sua família, estava gastando seu dinheiro com uma prostituta. Uma vez que o
sobrinho tinha substituído Ryokan na responsabilidade de gerenciar os proventos da família, e os
bens desta portanto corriam risco de serem dissipados, os parentes pediram a Ryokan fazer algo.
Ryokan teve que viajar por uma longa estrada para encontrar seu sobrinho, o qual ele não via há
muitos anos. O sobrinho ficou grato por encontrar seu tio novamente e o convidou a pernoitar em
sua casa.
Por toda a noite Ryokan sentou em meditação. Quando ele estava partindo na manhã seguinte ele
disse ao jovem: “Eu devo estar ficando velho, minhas mãos tremem tanto! Poderia me ajudar a
amarrar minha sandália de palha?”
O sobrinho o ajudou devotadamente. “Obrigado,” disse Ryokan finalmente, “você vê, a cada dia
um homem se torna mais velho e frágil. Cuide-se com atenção.” Então Ryokan partiu, jamais mencionando uma palavra sobre a cortesã ou as reclamações de seus parentes. Mas, daquela
manhã em diante, o esbanjamento do seu neto terminou.
18. O Homem rico
Um homem queria ficar rico e, todos os dias, ia pedir a Deus que lhe atendesse às súplicas.
Num dia de inverno, ao voltar da oração, avistou, presa no gelo do caminho, uma polpuda carteira
de dinheiro.
No mesmo instante, julgou-se atendido. Mas como a carteira resistisse aos seus esforços, urinou
em cima dela a fim de derreter o gelo que a retinha. E foi então. . .
Que despertou na cama toda molhada. . .
19. Morte de Takuan
Mestre Takuan (cujo nome significa “pepino”) estava morrendo; um discípulo aproximou-se e
perguntou-lhe qual era o seu testamento. Takuan respondeu que não tinha testamento; mas o
discípulo insistiu:
– Não tendes nada… Nada para dizer?
– A vida não passa de um sonho.
E expirou.
20. Eremita e a ambição
Na China antiga, um eremita meio mágico vivia numa montanha profunda. Um belo dia, um velho
amigo foi visitá-lo. Senrin, muito feliz por recebê-lo, ofereceu-lhe um jantar e um abrigo para a
noite; na manha seguinte, antes da partida do amigo, quis ofertar-lhe um presente. Tomou de uma
pedra e, com o dedo, converteu-a num bloco de ouro puro.
O amigo não ficou satisfeito; Senrin apontou o dedo para uma rocha enorme, que também se
transformou em ouro.
O amigo, porém, continuava sem sorrir.
– Que queres, então? – indagou Senrin.
Respondeu-lhe o amigo:
– Corta esse dedo, eu o quero.
21. Presente de Insultos
Certa vez existiu um grande guerreiro. Ainda que muito velho, ele ainda era capaz de derrotar
qualquer desafiante. Sua reputação estendeu-se longe e amplamente através do país e muitos
estudantes reuniam-se para estudar sob sua orientação.
Um dia um infame jovem guerreiro chegou à vila. Ele estava determinado a ser o primeiro homem
a derrotar o grande mestre. Junto à sua força, ele possuía uma habilidade fantástica em perceber e
explorar qualquer fraqueza em seu oponente, ofendendo-o até que a este perdesse a
concentração. Ele esperaria então que seu oponente fizesse o primeiro movimento, e assim
revelando sua fraqueza, e então atacaria com uma força impiedosa e velocidade de um raio.
Ninguém jamais havia resistido em um duelo contra ele além do primeiro movimento.
Contra todas as advertências de seus preocupados estudantes, o velho mestre alegremente
aceitou o desafio do jovem guerreiro. Quando os dois se posicionaram para a luta, o jovem
guerreiro começou a lançar insultos ao velho mestre. Ele jogava terra e cuspia em sua face. Por
horas ele verbalmente ofendeu o mestre com todo o tipo de insulto e maldição conhecidos pela
humanidade. Mas o velho guerreiro meramente ficou parado ali, calmamente. Finalmente, o jovem
guerreiro finalmente ficou exausto. Percebendo que tinha sido derrotado, ele fugiu
vergonhosamente. Um tanto desapontados por não terem visto seu mestre lutar contra o insolente, os estudantes
aproximaram-se e lhe perguntaram: “Como o senhor pôde suportar tantos insultos e indignidades?
Como conseguiu derrotá-lo sem ao menos se mover?”
“Se alguém vem para lhe dar um presente e você não o aceita,” o mestre replicou, “para quem
retorna este presente?”
22. Caçando dois coelhos
Um estudante de artes marciais aproximou-se de seu mestre com uma questão:
“Gostaria de aumentar meu conhecimento das artes marciais. Em adição ao que aprendi com o
senhor, eu gostaria de estudar com outro professor para poder aprender outro estilo. O que pensa
de minha idéia?”
“O caçador que espreita dois coelhos ao mesmo tempo,” respondeu o mestre, “corre o risco de não
pegar nenhum.”
23. O Mais Importante Ensinamento
Um renomado mestre Zen dizia que seu maior ensinamento era este: Buddha é a sua mente. De
tão impressionado com a profundidade implicada neste axioma, um monge decidiu deixar o
Monastério e retirar-se em um local afastado para meditar nesta peça de sabedoria. Ele viveu 20
anos como um eremita refletindo no grande ensinamento.
Um dia ele encontrou outro monge que viajava na através da floresta próxima à sua ermida. Logo o
monge eremita soube que o viajante também tinha estuda sob o mesmo mestre Zen.
“Por favor, diga-me se você conhece o grande ensinamento do mestre,” perguntou ansioso ao
outro.
Os olhos do monge viajante brilharam, “Ah! O mestre foi muito claro sobre isto. Ele disse que seu
maior ensinamento era: Buddha NÃO é a sua mente.”
24. Aprendendo do modo mais duro
O filho de um mestre em roubos pediu a seu pai para ensinar-lhe os segredos de seu ofício. O
velho ladrão concordou e naquela noite levou seu filho para assaltar uma grande mansão.
Enquanto a família dormia, ele silenciosamente levou seu aprendiz para dentro de um quarto que
continha um armário de ricas roupas. O pai disse ao filho para entrar no armário e pegar algumas
roupas. Quando o rapaz fez isso, seu pai rapidamente fechou a porta e o prendeu lá dentro. Então
ele saiu, e bateu sonoramente na porta da frente, acordando consequentemente a família que
dormia, e rapidamente fugiu antes que qualquer pessoa o visse.
Horas mais tarde, seu filho retornou à casa, em trapos e exausto.
“Pai!” ele gritou em fúria, “Porque o senhor me prendeu no armário? Se eu não tivesse usado
desesperadamente meus recursos com medo de ser descoberto, eu jamais teria escapado. Tive
que abandonar toda a minha timidez para sair de lá!”
O velho ladrão sorriu: “Filho, você acabou de ter sua primeira lição na arte da rapinagem…”
25. Gutei e o Dedo
O Mestre Gutei, sempre que lhe faziam uma pergunta, respondia levantando um dedo sem dizer
nada. Um noviço adquiriu o vício de imitá-lo. Certo dia, um visitante perguntou ao noviço:
“Que sermão o Mestre está pronunciando agora?”
O noviço respondeu levantando o dedo. O visitante, quando se encontrou com o Mestre, contou-
lhe que o noviço o imitara. Mais tarde, o Mestre escondeu uma faca nas vestes e chamou o noviço.
Quando este se apresentou, Gutei perguntou-lhe:
“O que é Buddha?” O rapaz, ansioso para impressionar o mestre, respondeu levantando o dedo. O Mestre então
agarrou-lhe a mão e cortou-lhe o dedo com a faca. O discípulo, apavorado e em choque, já ia sair
correndo, mas o Mestre o chamou com um grito:
“NOVIÇO!”
Quando o rapaz se voltou para o Mestre, este perguntou abruptamente :
“O que é Buddha?”
O discípulo ia levantar o dedo, mas não tinha mais dedo. Neste instante, ele alcançou o Satori.
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Técnicas de um gato velho
Na casa de um militante de nome Shokem, apareceu um enorme rato que corria no teto, estragava roupas e comidas, chegando a ameaçar a família toda.
Shokem conseguiu cercá-lo num quarto e introduziu o gato da casa para apreendê-lo. O rato, surpreendentemente combateu o gato com muita facilidade. Shokem preocupado, resolveu reunir os gatos mais valentes da vizinhança e colocou-os no quarto. O rato, esperto e rápido, saltava e corria como um relâmpago, utilizando suas garras e dentes, mostrando um espírito agressivo e todos os gatos ficaram amedrontados.
Shokem, então resolveu matá-lo a pauladas e correndo atrás do rato nervosamente, este fugia, saltava, passava por baixo de suas pernas, mostrando muita agilidade para morde-lo e atacá-lo. Muito apavorado, Shokem chamou seu subordinado e ordenou para que trouxesse um famoso gato velho que morava cinco ou seis cidades adiante. Shokem observou o gato muito desconfiado e preocupado, pois ele não tinha nada de especial, não possuía nenhuma beleza estética e nem apresentava ser veloz.
Em todo caso, colocou-o no quarto e com espanto e admiração viu a reação do rato, que, amedrontado, ficou imóvel, esquecendo-se que tinha pernas e garras. O gato facilmente agarrou-o.
Nesta noite, todos os gatos ajoelharam-se perante o gato velho e solicitaram esclarecer o segredo dessa arte, pois todos os animais eram treinados e dedicados à arte de agarrar ratos, dizendo que dia e noite afiavam seus dentes e garras, mas desta vez, fracassaram inesperadamente ao enfrentar um rato tão forte.
O gato velho, sorridente explicou: “Todos vocês persistentemente treinam sem uma orientação correta, pois as causas dessas falhas foi o desconhecimento do caminho leal. Quando encontraram um imprevisto, não souberam resolver de modo mais adequado. Porém, gostaria de saber os métodos de treinamentos que estão realizando.”
Um gato negro, aparentemente ágil e afiado se levantou e disse: “Nasci para apreender ratos. Sempre foi esse o meu objetivo e pensando em me aperfeiçoar, saltava altas barreiras, atravessava pequenos buracos e mesmo em repouso, quando avistava um rato, sempre conseguia pegá-lo, mas desta vez, ante o gato tão forte, fracassei.”
O gato velho respondeu: “O objetivo do seu treino deve ser exclusivamente a execução dos movimentos e nele devem constar, as causas, leis e raciocínios, inclusive a participação da mente.”
Um belo gato com pele de tigre disse: “Eu acho que o guerreiro deve considerar o Ki como objetivo principal. Portanto, dediquei-me a fortalecer meu corpo e parece que cheguei a um ponto bastante elevado, pois já impressionava, intimidava e vencia o adversário. Agindo de acordo com o grito de guerra e da agressividade, sempre venci, até agora, pois os movimentos desse rato não apresentavam formas nem pegadas conhecidas. Sendo assim, não consegui localizá-lo.
O velho gato explicou que seu treino e trabalho são baseados como afluentes do estímulo Ki, que é transportado. Quando se retira este alicerce, não seria mais leal, pois, quando ataca para derrotá-lo, às vezes o adversário também usa seus movimentos com igual intenção. Se caso possuir força suficiente para resistir, ainda é possível vencer, caso contrário, não conseguirá. Nem sempre você é maior e mais forte do que o adversário, pois neste encontrou dificuldade. Então seria igual a força de um maremoto que acaba numa noite e é diferente da força constante da correnteza que desemboca no oceano. O rato com o desespero da morte e ninguém para salvá-lo, neste instante, ele esqueceu-se do interesse e até da própria vida, tornando-se forte com um diabo.
O gato velho disse: “Todos os treinos acima discriminados são válidos e adquiridos em conjunto e não isoladamente. Anos atrás, na minha vizinhança morava um gato que parecia calmo e preguiçoso e dormia o tempo todo, parecendo uma estátua. Ninguém jamais o vira pegando ratos, mas ao seu redor não havia um que fosse, todos sumiam, não ficavam perto deste gato. muito curioso, perguntei-lhe o motivo do desaparecimento desses ratos, mas ele não me respondeu. Quem conhece, não fala demasiadamente. Instantes depois, disse apenas: “Sou um animal e o rato é meu alimento”. Senti que ele estava acima de mim.
Aquele que segue o caminho do guerreiro, não visa somente a vitória, e sim esclarecer a vida e suas peculiaridades. Deve-se sempre cultivar e aperfeiçoar, traçando a meta, na evolução de si mesmo, descobrindo e definindo seu bushido, ou seja, seu caminho de vida.
– Escrito por Tenzen Ito cerca de 400 anos atrás